09 outubro 2011

Como escrever um texto com uma fartura de porras, sem dizer um único palavrão


Apraz-me saber que no meio de tanta de fast food, as farturas e as porras ainda dão um ar tipicamente português aos bares das feiras invadidos por cachorros, hambúrgueres, popcorns, waffles, néones de cor violeta e televisores gigantes sintonizados nas novelas da TVI, insuficientes, mesmo assim, para albergar todo o peito da Alexandra Lencastre. 

A patológica curiosidade do Antifalsidades, pouco frequentadora de feiras municipais, centrou-se obviamente em descortinar o que raio seria uma porra e o porquê do peito da Alexandra não caber ainda nos modernos ecrãs gigantes. A segunda dúvida não tive tempo de esclarecer, até porque ia acompanhado pela minha companheira e ela não é muito dada às novas tecnologias mas, após pagar dois euros pela conversa com a vendedora de porras de nacionalidade brasileira (que no seu país não se deve alongar muito sobre a sua profissão), concluí que a porra tem sido muito subestimada.
É sempre associada a um termo do calão que significa “espanto” ou “aborrecimento” quando, na verdade, deveria ser eleita como uma unidade de medida universal e usada oficialmente como termo de comparação. “Como assim?”, perguntará o leitor.
Eu explico. Esta conclusão resulta do número de pessoas que ouvi na feira a usarem o termo como referência abstractamente absoluta em frases como:
“Isto sabe mal como à porra”, “É caro como a porra”, “Está quente como a porra”, “As farturas têm óleo como a porra”, “Os churros são pequenos como a porra”, “No bar em frente vendem-se hambúrgueres como a porra”ou ainda “A Alexandra Lencastre está boa como a porra”.
Ou a capacidade de síntese que a palavra encerra, patente nas respostas de algumas personalidades que só vêem a TVI, quando questionadas sobre os efeitos da crise. A resposta é invariavelmente: “Isso agora é que é uma porra!” e “Não sabemos que porra havemos de fazer para isto melhorar!”. A prova da importância desta palavra é que nós, mesmo sem ver a TVI, sabemos o que isto quer dizer.
Até os mais nacionalistas podem diplomaticamente fazer valer as suas aversões sem chocar os mais liberais quando, indignados, perguntam: “O quê? O churro é um doce espanhol? E porque é que vendem aqui essa porra?” ou “Mas que raio de porra são as Waffles?”
Para os mais puristas da língua advirto já que não intentem reformar este termo e substitui-lo por sinónimos que demonstram “aborrecimento”. “Aborrecimentos” nem dados nós queremos, quanto mais se tivermos de pagar a porra de dois euros para os ter!
Se o termo “porra” fosse eleito, como merece, um dos mais importantes do nosso português eu, por exemplo, já não levava a mal quando os meus leitores com espanto indagassem:
 “Mas que porra de texto vem a ser este?”

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